4 de out. de 2009

O dia que entrou para a história

Sobrevivente relembra explosão da bomba atômica

Por Tiago Mendes

Era mais um dia de guerra em Hiroshima, uma manhã ensolarada, com muito calor e cheia de compromissos militares. Nas ruas da cidade, só tinham civis e poucos militares fazendo a ronda, já que a maioria dos homens estavam no campo de batalha.

O que estava por vir, ninguém suspeitava. Eram 8h15 do dia 6 de agosto de 1945, e uma bomba atômica acabava de explodir no centro de Hiroshima. No momento, uma bola de fogo atingiu os ares da região, com a temperatura de 300 mil graus Celsius. Todos que estavam no epicentro do estouro, morreram na hora, carbonizados ou pelo efeito da radiação.

Ali perto, cerca de 1,2km, Takashi Morita, com 21 anos na época, caminhava em direção a uma missão no posto do exército japonês. Na hora do acontecimento, o jovem militar foi arremessado a dois metros de distância. Quando se levantou, partes do seu corpo estavam queimadas e ele ouvia pelas ruas gritos de socorro e pessoas desesperadas. “Foi muito triste, a guerra é triste, muita gente queimada, doente e em estado de choque”, lembra Morita.

Quando se recompôs, Takashi começou a circular pelas ruas e ajudar algumas pessoas, como podia. Até um parto, no meio da avenida, o ex-militar fez com o auxilio de outra pessoa. “Fico feliz, toda vez que me recordo do fato, sei que a criança e a mãe sobreviveram a todo aquele caos”, comenta.

Segundo dados do governo japonês, no momento da explosão na cidade de Hiroshima, mais de 100 mil pessoas foram mortas instantaneamente pelo calor da radiação. Mais 40 mil morreram até o final daquele ano, conseqüente a doenças generativas da explosão e seqüelas graves.

Reconstruindo uma nova vida

Após a explosão, os sobreviventes começaram a reerguer a cidade. Foi nessa época, que Morita conheceu sua esposa, Aiako Orishige, que também sofreu poucos ferimentos, pois estava a uma distância de 1,5 km do epicentro.

Onze anos se passaram, e com pouca ajuda do governo e muitas pessoas adoentadas, o casal embarcou rumo ao Brasil, no navio “Brasil Maru”, a viagem toda durou 42 dias.

Junto com os “hibakushas” (palavra japonesa criada para denominar as pessoas afetadas pela bomba atômica), Morita e Aiako, fundaram em julho de 1984, a Associação dos Sobreviventes da Bomba Atômica no Brasil. Sua missão foi plagiar os direitos da Lei de Suporte as Vitimas da Bomba Atômica para os sobreviventes residentes no exterior.

Depois de muita luta judicial, a entidade conquistou os benefícios cedidos pelo governo japonês, que paga uma indenização de 500 reais a cada sobrevivente e envia a cada dois anos um médico para avaliar os efeitos da radiação. Atualmente, a associação tem 130 sobreviventes e já completou 25 anos de existência.

Uma conversa que vale ouro

Na última quarta-feira, dia 30, a Universidade São Judas Tadeu, situada na região do Butantã, promoveu uma entrevista coletiva, com Takashi Morita e o professor André Loula (historiador sobre armas radioativas). Confira abaixo, a entrevista na integra.

Ø Como foi a repercussão dos militares após a explosão da bomba?
(Bruna Bresser – Revista São Judas)

Morita: “Eu pensei que o paiol de pólvora tinha explodido. Na verdade, a maioria dos militares morreram, sobreviveram muitos poucos, e até alguns machucados morreram dias depois. Tive sorte, pois estava com uma farda bem forte de policial militar.”

Ø O que aconteceu com a sua saúde psicológica depois de ver tanto sofrimento?
(Gisele – Jornal da Manhã Paulistana)

“Todas as cenas daquele dia tenebroso não saem de minha cabeça, sempre me lembro de muita tristeza, de muita angústia e sofrimento.”

Ø Qual foi o efeito do atentado na economia japonesa naquela época? E hoje, no Japão adota-se algum procedimento para prosseguir com o atendimento aos sobreviventes?
(Arlete - Revista O Ruído)

“Totalmente escasso, o país estava um caos. Muito trabalho e pouca comida. Sim, existem alguns projetos, mas esta muito longe do necessário.”

Ø Quando chegou ao Brasil, sofreu algum preconceito ou omitiu que era um sobrevivente?
(Priscila Dias – Revista História e a Sociedade)

“Na verdade nem sabia falar português, tive uma grande dificuldade em aprender, achava muito difícil, ainda continuando achando [risos], também lidávamos com a questão de que muitas pessoas não sabiam o que tinha acontecido.”


Ø Como você considera a posição dos EUA sobre o lançamento da bomba atômica, já que hoje, eles questionam o fato do uso das armas nucleares como um crime a toda sociedade.
(Cecília – Revista Integração)

“Foi uma vingança de Pearl Harbor, mas eles não analisaram que Hiroshima estava habitada somente com mulheres e crianças, já o posto militar no Atlântico, atacado dias antes, estava lotado de militares, participantes diretos da guerra. O EUA fez um teste nuclear com o Japão, não sobrou nada de nossa cidade. Tivemos que conviver como experimentos deles durante três anos, não podíamos sair e ninguém entrava. Foi horrível. O exercito americano fechou nossas fronteiras e ainda realizavam testes de radiação com todos, o que eles esqueceram foram de publicar os resultados, que hoje ajudariam na cura de algumas doenças radioativas.”

Ø E a reconstrução da cidade foi demorada?
(Amanda – Revista Cidade e História)

“Sim, foi trabalho atrás de trabalho. Fazíamos atividades durante os 365 dias do ano, sem parar e com muita dedicação. Queríamos reconstruir nossa linda cidade.”

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